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Sal e Pimenta

Não é um blog de culinária...

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O meu conto de Natal

Maria estava em Londres há oito meses, a trabalhar como enfermeira, como tantas Marias do nosso país.

No dia 01 de Dezembro saiu a escala do mês e claro que iria estar a trabalhar na noite e dia de Natal, nem ela esperava outra coisa. Triste, telefonou à mãe e disse que como seria de prever iria estar de escala e não poderia ir passar o Natal a casa, junto dos pais, irmão, primos, tios e avós. Mas que ainda assim, iria tentar trocar com colegas, mesmo que tivesse que trabalhar mais horas até lá.

Maria falou com vários colegas e não conseguiu. Ainda não tinha muitos amigos, apenas a vizinha, que também era portuguesa e os colegas de trabalho. No trabalho dava-se muito bem com Helena, que já estava a trabalhar em Londres há mais de 10 anos e inclusivamente já tinha marido e dois filhos a viverem lá. Ainda lhe perguntou se era possível trocar aqueles dias com ela, porque viu que não estava de escala, mas Helena disse que seria impossível por causa das crianças.

No dia 18 de Dezembro, voltou a ligar à mãe e disse que efectivamente não conseguira, trocar com ninguém. A mãe disse que não fazia mal, que iriam abrir os presentes todos juntos à meia noite.

- Como assim mãe?

- Então, hoje com as novas tecnologias podemos não estar fisicamente juntos, mas estaremos a festejar à mesma hora.

- Pois, mas não é a mesma coisa, e além disso eu posso não conseguir, porque vou estar a trabalhar.

- Não te preocupes querida, não importa como estaremos juntas, mas iremos estar.

- Agora tenho que ir, beijinhos mãe.

Maria acabou o turno e ainda as lojas estavam abertas, resolveu ir dar um passeio, tirar umas fotos às ruas iluminadas e cheias de espírito natalício, a certa altura ao ver famílias juntas, nas ruas a fazerem compras ou simplesmente a passearem, não conteve as lágrimas. Era o primeiro Natal que iria passar longe da família e do namorado.

Chegou a casa, abriu a caixa do correio e lá estavam mais uns postais, desta vez eram da tia Lurdes, subiu as escadas e quando chegou ao estúdio colocou-os juntos dos outros que já recebera. Estranhou ainda não ter recebido nenhum de Gustavo, o seu namorado. 

Os dias passavam e Maria entrou em piloto automático, para não pensar muito na questão do Natal e foi trabalhando o mais que pode, para conseguir uns dias extra em Janeiro, para estar junto da família em Portugal.

No dia 23 de Dezembro, foi informada que as escalas tinham tido alterações de ultima hora, e verificou que não iria estar de escala no dia 24, 25 e 26. Pensou que só podiam estar a gozar. Tentou ver voos, mas os que existiam eram demasiado caros, pois era muito em cima da hora para aquela altura.

Saiu do trabalho e foi caminhar junto ao Tamisa e nem teve coragem para ligar à mãe a contar o que tinha acontecido, pois sabia que ela iria logo querer pagar um daqueles voos caríssimos, mas ela sabia que as condições económicas dos pais não eram as melhores, pois ela estava desempregada e o pai ganhava pouco mais que 700 Euros e ainda tinha o irmão mais pequeno para sustentarem. Estava fora de causa. Caminhou, caminhou, até que desatou a chorar sem parar. Tentou acalmar-se e voltou para casa.

Chegou a casa e tinha um bilhete na porta, era a vizinha, que lhe pedia para ir falar com ela quando chegasse. Assim fez, foi ao seu encontro, batendo na porta.

- Vi o teu bilhete

- Que fazes amanhã? 

- Não tenho nada planeado.

- Então? Não trabalhas?

E aí contou-lhe o que tinha acontecido e que não tinha tido coragem de falar com a mãe.

- Tive uma ideia, que tal amanhã irmos passear, almoçar fora e só voltarmos por volta da hora do jantar, fazemos o jantar de natal para as duas, bebemos um bom vinho como os ingleses fazem e abrimos as prendas.

- Não sei se me apetece.

- Vá lá, vai fazer-te bem, um pouco diversão nunca fez mal a ninguém e tu estás a precisar. Vou-te mostrar os sítios que ainda não conheces. Estás aqui há 8 meses e nunca sais a não ser para o trabalho.

- Acho que não vou ser boa companhia

- Isso não cabe a ti decidir, mas a mim, e por isso está pronta às 10:00.

- Muito bem, que seja, pode ser que me anime.

No dia seguinte, conforme combinado estava pronta na hora combinada. Saíram e passaram o dia fora.

Quando estavam de volta, Maria abriu a porta de casa e viu uma mesa posta, comida, uma árvore de natal e ficou assustada. Tinham feito o inverso de assaltar uma casa, entraram, mas em vez de levarem coisas, tinham lá colocado.

Gritou para a vizinha:

- Vem depressa

- Que se passa?

- Isso pergunto eu, olha

- Que aconteceu? De onde apareceu tudo isto? Terá sido o Pai Natal? disse a rir

Nisto vê entrar pela porta os pais, o irmão e o namorado. Não conteve as lágrimas, não sabia se era real ou não.

- Que estão aqui a fazer? Como?

A mãe só disse:

- Eu não te disse que iríamos estar juntas 

- Sim, mas...

- Agradece aqui a esta amiga e depois à Helena, a tua colega do Hospital, que está a fazer a tua folga, mas agora está na hora de ir comer, não passei o dia todo a cozinhar para agora deixar arrefecer o bacalhau.

Sentaram-se todos à mesa, e aquele foi o melhor Natal de Maria, afinal ainda existem pessoas boas neste mundo, só é pena serem tão poucas. 

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Imagem Pixabay

 

 

 

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